Crônicas de Reldwyn - Capítulo 1

2 de fevereiro de 2015

Colégio Spencer Hilds High School - Tempos atuais.

- Eu não entendo. - Miles ajeitou seus óculos. Nunca vira sua amiga naquele estado pensativo. Normalmente, Aisha agia sem planejar ou pensar duas vezes sobre um assunto. - Se é a quarta noite que tem o mesmo sonho, por que não consegue se lembrar dos detalhes?
- Quando acordo não consigo relembrar dos fatos. Mas quando volto a dormir, é como se o sonho permanecesse fresco e vívido em minha memória. Só sei que está relacionado com um castelo de vidro, uma garota e alguns pássaros negros. Poderiam ser corvos ou gaviões.
- Não acha que é meio fantasioso para ficar tentando encontrar um significado oculto? Quero dizer, algumas pessoas sonham com cobras e após acordarem associam isso á vingança na vida real, coisas do tipo.
- Não. É um sonho muito real pra ser apenas produto da minha imaginação fértil. Também não acho que seja um indício de traição, vingança ou algo do gênero. Parece mais uma pista. Como se no sonho fosse revelado o caminho, e quando eu acordo preciso encontrar a maneira de atravessá-lo.
- Bom, não sei se ficar sentada aqui irá ajudá-la em algo. Talvez fazer o teste de química seria mais lucrativo do que gastar neurônios com sonhos fantasiosos com significados ocultos. - Miles levantou-se e esperou a amiga fazer o mesmo.
 Ela remexeu seu cabelo preto azulado liso de forma nervosa. Seus olhos azuis como topázio pareciam reluzir á luz do sol e Miles desviou rapidamente o olhar.
- Talvez você esteja certo. - Resignada, Aisha ajeitou a bolsa no ombro e seguiu o amigo pelos corredores até a porta que ostentava uma pequena placa com o número 302.
Alguns alunos pareciam desesperados, com os livros abertos sobre a mesa e a todo custo tentavam decorar fórmulas na última hora. Outros pareciam nem saber que o teste aconteceria dali alguns minutos e olhavam para o teto ou dormiam sobre a carteira. Aisha acomodou-se em um dos lugares ainda vazios e sentiu o coração bater mais forte no peito ao lembrar-se que o professor costumava chegar sempre atrasado e a recolher as provas mais cedo que o sinal.
- Você esta bem? - Miles perguntou se sentando a seu lado. - Espero que não tenha passado a noite em claro pensando no sonho.
- Não... Dormi bem. Só estou nervosa.
O professor finalmente adentrou na sala e conversas cessaram. Depois de algumas observações, o professor passou as provas aos alunos, e Aisha tentou respirar fundo para se acalmar. Sabia que nervosismo e ansiedade eram sinônimos de um resultado negativo. Não estava mal naquela matéria, mas sabia que aquele teste seria o último do ano.
Conseguiu responder com sucesso as três primeiras questões. Aisha, porém, empacou na quarta. Não sabia nada sobre aquele cálculo estequiométrico.
 De repente, sua mente começou a divagar. Lembrou-se do corvo. Aparentemente não era apenas uma ave. Aos poucos fragmentos do sonho voltaram a sua mente. O animal parecia uma espécie de guardião, mas apesar de se esforçar, não conseguia recordar o que ou quem o corvo protegia.
Começou a escrever os cálculos, mas sua mente estava distante. Quando acabou a prova, entregou-a ao professor e pediu licença para ir ao banheiro. Precisava caminhar e se distrair.
 Enquanto caminhava pelo corredor, teve uma sensação de formigamento nas costas. No início gerou apenas desconforto, mas quando enfim chegou ao banheiro teve de se apoiar na porta. Parecia que havia fogo por baixo de sua pele. Percebendo que estava sozinha, esticou a manga da camiseta e encarou-se no espelho atrás de si. A pele estava vermelha e inchada em alguns pontos, e conforme analisava mais detalhes apareciam. Parecia que tinta havia sido derramada em sua pele, formando o contorno de uma asa negra na parte esquerda de sua coluna. Quando a dor diminuiu; Aisha sentiu que aquilo deveria ter alguma ligação com o sonho. E mais uma vez teve a certeza de que Miles estava errado. Não era um sonho fantasioso e sem sentido. Havia mais. Muito mais. Rapidamente Aisha recolocou a blusa e esperou o sinal bater. Precisava falar com Miles.
*

- Como? - Miles perguntou surpreso. Mal sairá da sala e Aisha despejou nele uma quantidade enorme de informações sobre tatuagens mágicas e suposições malucas.
- No sonho havia um amuleto de vidro! Estou lhe dizendo! Não se lembra de algum dia eu ter usado algo do tipo?
- Aisha... Você normalmente não usa jóias. - Ele fez uma pausa, os olhos perdidos em algum ponto do passado. - Exatamente por isso acho que já a vi usando algo do tipo. Foi no primeiro dia de aula da segunda série. Você era uma menina quieta de sete anos, pelo que me lembro, e apesar de a memória ser vaga, tenho certeza que era esse mesmo colar. Nos tornamos amigos algumas semanas depois.
- Eu sinto que se eu encontrar este amuleto, o sonho fará sentido.
Miles olhou derrotado para a amiga. Sabia que ela não era do tipo que esquecia algo que a atormentava. Mas aquilo já o estava cansando. Portanto, quando ele lhe respondeu, era mais para se livrar da situação do que por curiosidade.
- Eu ajudo a procurar ao final das aulas.
Miles balançou a cabeça e juntos foram procurar o amuleto.

 Aisha e Miles foram para a casa dela e procuraram no guarda roupas, nos armários e em outros lugares sem sucesso. Finalmente a mãe de Aisha, Maia, chegara do trabalho. Ela só teve tempo de deixar a bolsa no sofá quando percebeu os dois.
- Mas o que é esta comoção? – Perguntou curiosa.
Aisha respondeu que procuravam um colar de vidro.
- Aisha... Eu guardei o seu colar, junto com os outros objetos que vieram com você. – Ela fez uma pausa, lembrando-se de quando recebera a menina, ainda um bebê, para cuidar. – Eu os guardei no meu armário, sabendo que um dia você iria querer descobrir mais sobre suas origens.
Aisha assentiu. Desde pequena sabia que era adotada, mas sempre se sentiu amada em seu lar e não tinha curiosidade sobre seu passado. Mas o colar e os sonhos pareceram ativar o desejo de descobrir sobre onde viera.
Os três foram em direção ao quarto dos pais adotivos dela, e quando Maia abriu o armário, tirou de lá um baú.
Ao abri-lo, vários objetos apareceram e Aisha os remexeu curiosamente. Havia um babydoll lilás, um cobertor azul, várias cartas, uma caixa de jóias onde estava escrito seu nome e uma pequena urna.
Maia beijou a testa de Aisha e se afastou, alegando precisar fazer o jantar.
- Miles, se quiser jantar conosco, sinta-se a vontade. Avisarei a sua mãe.
- Obrigado, senhora. A sua comida é deliciosa.
- Espero que não esteja me bajulando. – Ela brincou e piscou para o garoto, e os deixou analisando o baú.
Aisha segurou a urna e a abriu-a lentamente enquanto Miles se ajoelhava ao seu lado. O colar de vidro parecia inocente ao descansar sobre o veludo vermelho da caixinha, mas logo assumiu um brilho opaco. De repente, foram envolvidos por uma força magnética tão forte que o mundo pareceu desaparecer, e tudo ficou negro.

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